quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Ecdise


Pétalas sobre um galho úmido
e negro: um farfalhar,
e nada sobra, salvo um duro
desejo de durar.

Rompantes, raiam as cigarras
pelos troncos: a fibra
sedosa do ocaso, num rasgo,
dá que outra toada vibre,

outra: não o irrequieto estrídulo
da seiva subterrânea
aberta ao mundo; mais acídula,
oca e sólida ​—​ crânio

que à terra jamais se resigna ​—
outra eclode, mais muda
cantiga, presa, de resina,
ao pife que a modula.

Há muita música, excelente
voz vibrando escondida
nesse oco instrumento (por entre
serragens de sentido

e raspas mais de quintessência
que porventura fiquem
passada a ecdise, no silêncio
eloquente do líquen),

e acaso irrompam as cigarras
invisíveis, que tingem
a fibra sedosa do ocaso
de cobre, teso timbre,

alheias, quase troncos, não
sucumbirão ao próprio
eco e rebento, estas que são
matriz e fruto peco.

Vida, memória, flor num muro
fendido: ser o estar.
Nada mais resta, salvo o duro
desejo de durar.