sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Augúrio da possível manhã


Uma nova palavra 
germina entre os escombros,
e sem que se vislumbre 
seu destino de verbo,
um murmúrio montante,
caule tenaz, arguto,
triunfa sobre a estática
daninha do discurso
como uma espera rouca.

Um pássaro de sangue 
aurora o céu da boca.

A mudez pavimenta 
o solo; todavia,
embrião de ruínas,
é nela que se lavra
a tal palavra-muda, 
e é justamente dela
que reclama seu signo
antissonante, alheio 
à melífera fanfarra 
da língua que se amouca.

Um pássaro de sangue 
aurora o céu da boca.

Convém gestá-la, embora
tardia às tantas vozes
há tanto soterradas,
e embora as débeis fibras
que restem, por receio,
custem a articular
seu máximo esplendor,
e embora, muito embora
a noite seja muita
para alvorada pouca. 

Um pássaro de sangue 
aurora o céu da boca.