quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Ecdise


Pétalas sobre um galho úmido
e negro: um farfalhar,
e nada sobra, salvo um duro
desejo de durar.

Rompantes, raiam as cigarras
pelos troncos: a fibra
sedosa do ocaso, num rasgo,
dá que outra toada vibre,

outra: não o irrequieto estrídulo
da seiva subterrânea
aberta ao mundo; mais acídula,
oca e sólida ​—​ crânio

que à terra jamais se resigna ​—
outra eclode, mais muda
cantiga, presa, de resina,
ao pife que a modula.

Há muita música, excelente
voz vibrando escondida
nesse oco instrumento (por entre
serragens de sentido

e raspas mais de quintessência
que porventura fiquem
passada a ecdise, no silêncio
eloquente do líquen),

e acaso irrompam as cigarras
invisíveis, que tingem
a fibra sedosa do ocaso
de cobre, teso timbre,

alheias, quase troncos, não
sucumbirão ao próprio
eco e rebento, estas que são
matriz e fruto peco.

Vida, memória, flor num muro
fendido: ser o estar.
Nada mais resta, salvo o duro
desejo de durar.

Um soneto de Vinicius de Moraes para o inglês.


SONETO DE FIDELIDADE

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.


SONNET OF FIDELITY

Anything else, I shall my love attend
Before, and with such zeal, always and strong,
That even when my thoughts should go along
With greatest charm, more charmed by it they stand.

Each idle moment I on it shall spend,
And in its praise I want to spread my song,
And raise my laugh, and shed my tears, as long
As its own grief and happiness command.

And so, when later on come after me
Who knows what death, a living soul's dismay,
Who knows what loneliness, a lover's plight,

I to myself of love (possessed) might say:
Be not immortal, as a burning light,
But while it last my love infinite be.