Fonte: UOL notícias
Já falei aqui do que se trata a trolldução: zoar um poema respeitosamente. Respeitosamente no sentido de não esculhambar a concepção original, seja na estrutura, seja no sentido. É dar um novo sabor ao poema, alterando a linguagem, o eu-lírico e o que mais convier, desde que não impossibilite a correspondência com o poema de origem; ou seja, sendo um soneto, a trolldução continue sendo um soneto, e em falando de X, a trolldução continue falando de X. Podemos, assim, trazer o cenário pesaroso de The Raven para nosso país tropical abençoado por Deus, trocando o corvo nórdico pela infame borboleta-bruxa que em vez de "Nunca mais" murmura um brasileiríssimo "Tanto faz", ou até mesmo transformar o eu-lírico erudito do soneto Ozymandias em um MC laureado pela comunidade. Assim me propus fazer, preservando os 14 versos, a métrica, o esquema rímico peculiar e os tantos enjambements que o tornam, como a estátua descrita, um tanto desconjuntado.
Encaro a trolldução como um exercício duplo, que trabalha ao mesmo tempo a fidelidade e a criatividade. E quem sabe essa brincadeira séria não desperta algum interesse no leitor menos assíduo de poesia?
Por fim, se o leitor quiser conferir uma saída mais "conservadora" para os desafios que esse maravilhoso soneto impõe, postei há um bom tempo duas tentativas de tradução para Ozymandias.
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OZIMANO
que explanou: -- Lá no Morro da Pirâmide
acharo uma escultura que nem cola
dá jeito, espatifada, e há quem chame de
"Chefão" pelo tamanho da beiçola.
O zé representou nesse detalhe:
o modelo já era há miliano,
e só falta pedir que a pedra fale.
Até picharo uns verso pra constá:
O b.o., meu parcero, é que é só lodo:
o bonde que ele ostenta num tá lá,
resto de ganja ocupa o espaço todo.
03 / 2017