sexta-feira, 3 de junho de 2016

Epitáfio a M...G...P...S...*



Lendo esse verso que seu livro encerra
Qual se encerrasse um rouco e áspero grito,
Ouço, poeta, o fenecer contrito
De um coração que bate sob a terra.

Acabou-se o licor, é finda a guerra,
E ora a garrafa, como o verso escrito,
Parece, sob a luz de um astro que erra,
Engarrafar um pouco do infinito.

Desceu-lhe o Ocaso como aurora fosse:
Do esgar dos homens rudes protegida
E alheia à compaixão dos homens falsos,

Pode sonhar, enfim, Ela, que trouxe
Num copo de aguardente o elã da vida
E o remorso de Deus nos pés descalços.



06 / 2016
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*Maria Gabriela Pereira dos Santos (1923-1996) viveu em Itajubá, no sul de Minas Gerais. Seu único livro, "Versos dentro da noite", composto em sua maioria por sonetos forjados como poucos conterrâneos o souberam e o saberiam fazer, segue se perdendo pelos sebos da cidade. Após lê-lo, senti-me na obrigação de pagar a experiência com um igualmente soneto, e daí o Epitáfio. 

(...) 
Não chores, Mãe querida, se eu morrer
do vício inconformável de beber, 
da consequência infame da bebida...

— Saibas, porém, que em muita noite fria,
de remorsos chorei esta agonia:
de ter em tua vida, a minha vida... 

(...) 
Estou pronta, Senhor! Passou meu pesadêlo!...
Tenho as mãos a vagar, nas ondas do cabelo,
Como que a sustentar meu cérebro doente...

... Se esta vida e esta cruz a que me condenaste
não puderam conter-te a ira sôbre um traste,
ampara-me, no fim, para eu morrer contente...