Não que traduzir comicamente um poema seja inovador. Nos altos de 1930, nosso Manuel Bandeira já tirava de Joaquim Manoel de Macedo um poema-piada modernista:
Mulher, Irmã, escuta-me: não ames,
Quando a teus pés um homem terno e curvo
jurar amor; chorar pranto de sangue,
Não creias, não, mulher: ele te engana!
as lágrimas são gotas de mentira
E o juramento manto da perfídia.
O poeta de Libertinagem verteu-o assim:
Teresa, se algum sujeito
bancar o sentimental em cima de você
E te jurar uma paixão do tamanho de um bonde
Se ele chorar
Se ele se ajoelhar
Se ele se rasgar todo
Não acredita não Teresa
É lágrima de cinema
É tapeação
Mentira
CAI FORA.
Os dois poemas dizem a mesma coisa: fica longe do sujeito que te flerta, que ele é um cafajeste. Só que Bandeira cuidou de tornar a linguagem do poema mais próxima à oralidade, e a forma à tendência modernista dos versos livres. Trata-se de um diálogo com o poema de origem que possibilita uma nova leitura do mesmo. E assim é a trolldução: não uma piada de mau gosto, tampouco um desrespeito com a obra, mas uma via alternativa de leitura que não a destrua na essência.
AS QUATRO NORMAS DA TROLLDUÇÃO
I. Manter a ideia do poema: aliás, isso é imprescindível para qualquer tipo de tradução;
II. Preservar ao máximo possível a forma do poema: mesmo número de versos e estrofes; se é um soneto, que continue sendo um soneto; se é rimado, continue sendo rimado;
III. Manter sua melopeia, fanopeia e logopeia na medida do possível: não se desprezem os recursos sonoros e imagéticos do poema; se a imagem original for sublime demais para uma piada, é permitido procurar imagens correspondentes, assim como aliterações e assonâncias correspondentes às originais; e
IV. Tornar a linguagem atual e cômica: gírias, palavrões, interjeições, regionalismos e erros de concordância são permitidos, desde que o conjunto final se justifique.
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Não é a primeira vez que venho ao blog com uma recreação; há uma para o Soneto 17 de Shakespeare, de quando o conceito de trolldução ainda estava no berço. Para consolidá-lo de vez, trago outro poema do Bardo, originalmente publicado aqui por Matheus Mavericco (aproveitem e deem uma olhada nesse blog lindo de morrer).
CXVI
Admit impediments. Love is not love
Which alters when it alteration finds,
Or bends with the remover to remove:
O, no! it is an ever-fixed mark,
That looks on tempests and is never shaken;
It is the star to every wandering bark,
Whose worth's unknown, although his height be taken.
Love's not Time's fool, though rosy lips and cheeks
Within his bending sickle's compass come;
Love alters not with his brief hours and weeks,
But bears it out even to the edge of doom.
If this be error and upon me proved,
I never writ, nor no man ever loved.
116
Havendo amor... Que amor não é bobagem:
Não muda a roupa consoante a moda,
Nem brocha se borrar a maquiagem.
Nã-não; é coisa muito bem bolada,
Não treme, e ri na cara do perigo;
Coisa que, ao longe, é linda de danada
E que de perto nem medir consigo.
O Amor não cai na ideia dos bananas
De que a velhice é desamor profundo;
Passam-se os dias, passam-se as semanas,
E ele só cresce — e que se dane o mundo.
Mas se isso for migué e alguém provar,
Nunca fui de escrever e o homem de amar.
06 / 2015