sexta-feira, 9 de julho de 2021
Traduzindo "Poeminho do contra", de Mário Quintana, para o inglês.
Um poema de Emily Dickinson.
But gallanter, I know
Who charge within the bosom
The Cavalry of Wo —
Who win, and nations do not see —
Who fall - and none observe —
Whose dying eyes, no Country
Regards with patriot love —
We trust, in plumed procession
For such, the Angels go —
Rank after Rank, with even feet —
And Uniforms of snow.
Mas mais briosos são
Os que afrontam a Cavalaria
Da Dor — no coração
Tombam — e ninguém nota —
Cujo olhar sem vida, País algum
Fita com amor patriota —
Cremos nessa procissão de plumas,
Que os Anjos assim vão —
De Fileira em Fileira, em lenta marcha —
E neve por Fardão.
A última visão
há muito nos deixaram, companheiros.
Que este deserto sem faróis nem rastros
abra-se a nós, os últimos — Pioneiros!
Dos náufragos veleiros sobre os lastros,
pendem mastros e velas derradeiros.
Força! Não só de velas e de mastros,
mas de fúria se fazem os veleiros.
Range o timão, amotinam-se os remos,
e um súbito facho rasga a tormenta
num corredor de espumas para o nada...
Cantem, flores de breu, e dançaremos
se o sopro que seu vórtice alimenta
refresca nossa fronte encarquilhada!
segunda-feira, 19 de abril de 2021
Lembrança de Manuel Bandeira
do verso, das horas, da alma
(a alma cínica de menino
a recender na estreita palma),
do que maçã, ou gesso, ou cacto,
mais do que a inominada rosa
ou a pureza do verbo intacto
sob a superfície porosa,
de ti em mim, poeta, ressoa
a inelutável mansidão
de quem quis, e não foi senão
uma – entre o céu e o mar – pessoa.
sábado, 27 de março de 2021
Olaria
Em precisão de metáfora,
visitar uma olaria,
ofício que se debruça
nas concordâncias da argila;
ofício, sim, de destreza,
mas sobretudo de fibra,
de espalmar a massa bruta
como quem a amolaria.
Lubrificar o motor
que a matéria desfibrila
dando sentido ao seu eixo,
dorsal de vento, cacimba;
e como quem se emudeça
no assombro da coisa mínima,
ver a engrenagem da terra
em florescência centrípeta.
Mas no ponto de intumescer-se
afim aos ciclones e aos tigres,
às espirais da natureza
que petrificam a retina,
talhar o bronze latente
das divindades possíveis
com a perícia dos dedos
que a pedra do tempo afia.
Cerce trespassar o nylon
a combustão circunscrita
entre o torno e o corolário
e a novo sono induzi-la;
e porque enfim se preserve
a carnadura do giro,
na noite muda do forno
selar a roda do dia.
E a despeito da incumbência:
vaso, cumbuca ou manilha,
entender que de processo
é que se faz a olaria,
nem tem fim esse mister
que tampouco principia
— e que da morna cerâmica
à massa bruta e sanguínea
a argila é mero pretexto
para outra, oculta oficina.
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021
Augúrio da possível manhã
quarta-feira, 11 de novembro de 2020
Ecdise
Pétalas sobre um galho úmido
e negro: um farfalhar,
e nada sobra, salvo um duro
desejo de durar.
Rompantes, raiam as cigarras
pelos troncos: a fibra
sedosa do ocaso, num rasgo,
dá que outra toada vibre,
outra: não o irrequieto estrídulo
da seiva subterrânea
aberta ao mundo; mais acídula,
oca e sólida — crânio
que à terra jamais se resigna —
outra eclode, mais muda
cantiga, presa, de resina,
ao pife que a modula.
Há muita música, excelente
voz vibrando escondida
nesse oco instrumento (por entre
serragens de sentido
e raspas mais de quintessência
que porventura fiquem
passada a ecdise, no silêncio
eloquente do líquen),
e acaso irrompam as cigarras
invisíveis, que tingem
a fibra sedosa do ocaso
de cobre, teso timbre,
alheias, quase troncos, não
sucumbirão ao próprio
eco e rebento, estas que são
matriz e fruto peco.
Vida, memória, flor num muro
fendido: ser o estar.
Nada mais resta, salvo o duro
desejo de durar.