A gata carrega a mariposa entre os dentes,
efêmero troféu daquela tarde.
Cruza o quintal graciosamente,
da garagem vazia aos galhos secos da horta,
cuspindo no concreto
essa que debalde bate as asas,
as alvas asas retalhadas.
E basta uma patada
para tê-la outra vez submissa,
pétala branca no veludo negro,
ora retida em agulhas de marfim,
ora cuspida, arrastada, mascada,
até ser impossível distinguir
a presa
das presas que a retêm.
Na tarde aos poucos deglutida,
não há rancor nem escárnio
(uma finge não saber que está matando,
outra finge não ver que está morrendo):
há somente a Beleza,
luz maciça e autofágica.
sexta-feira, 26 de julho de 2019
Quintal
quinta-feira, 4 de julho de 2019
Bestiário
I
o cão posa para a foto
como alguém que já se foi
está nos olhos do dono, sorri
sem pretensão de eternidade
a luz penetra indiferente a câmara:
o cão desdenha
o que não seja cinza, fogo
como pausar a coisa, imortalizar
quem não se sabe finito?
mas morrerá um dia, e nesse dia apenas,
cego e sem dentes sob a própria sombra
dormindo como quem desperta
pois finais não lhe convêm:
o cão é um ritmo
que silencia o tempo.
II
a tartaruga anciã
não entende de passar:
leva em seu casco de cortejo
uma civilização ausente
seus membros tectônicos
rodam as lentas, dúbias engrenagens
que um deus coberto de líquens
se esqueceu de partir
como inscrever-te em versos,
tu, negação própria do poema?
tu que não marchas, triunfante,
para teu próprio fim?
palmilhas, milenar quelônio,
a planície universal,
firmando no azul subterrâneo
as raízes do tempo.