Tentativa de levar para a gringa esse que é um dos mais populares wordplays da poesia brasileira. Houve preocupação formal na medida exigida pelo poema: os dois primeiros versos octossílabos foram vertidos em tetrâmetros iâmbicos; o terceiro verso, redondilha menor, continuou pentassilábico. Somente no caso do último verso, originalmente com quatro sílabas, a atenção se voltou antes à sintaxe concisa que à métrica. Digladiei um tanto com esse jogo de palavras até encontrar um jeito de fazê-lo funcionar minimamente no inglês. No fim, gostei do resultado!
sexta-feira, 9 de julho de 2021
Um poema de Emily Dickinson.
138*
But gallanter, I know
Who charge within the bosom
The Cavalry of Wo —
Who win, and nations do not see —
Who fall - and none observe —
Whose dying eyes, no Country
Regards with patriot love —
We trust, in plumed procession
For such, the Angels go —
Rank after Rank, with even feet —
And Uniforms of snow.
138
Mas mais briosos são
Os que afrontam a Cavalaria
Da Dor — no coração
Que triunfam, e nações não reconhecem —
Tombam — e ninguém nota —
Cujo olhar sem vida, País algum
Fita com amor patriota —
Cremos nessa procissão de plumas,
Que os Anjos assim vão —
De Fileira em Fileira, em lenta marcha —
E neve por Fardão.
Tombam — e ninguém nota —
Cujo olhar sem vida, País algum
Fita com amor patriota —
Cremos nessa procissão de plumas,
Que os Anjos assim vão —
De Fileira em Fileira, em lenta marcha —
E neve por Fardão.
*Segundo a numeração de Franklin (1998).
A última visão
há muito nos deixaram, companheiros.
Que este deserto sem faróis nem rastros
abra-se a nós, os últimos — Pioneiros!
Dos náufragos veleiros sobre os lastros,
pendem mastros e velas derradeiros.
Força! Não só de velas e de mastros,
mas de fúria se fazem os veleiros.
Range o timão, amotinam-se os remos,
e um súbito facho rasga a tormenta
num corredor de espumas para o nada...
Cantem, flores de breu, e dançaremos
se o sopro que seu vórtice alimenta
refresca nossa fronte encarquilhada!
segunda-feira, 19 de abril de 2021
Lembrança de Manuel Bandeira
do verso, das horas, da alma
(a alma cínica de menino
a recender na estreita palma),
do que maçã, ou gesso, ou cacto,
mais do que a inominada rosa
ou a pureza do verbo intacto
sob a superfície porosa,
de ti em mim, poeta, ressoa
a inelutável mansidão
de quem quis, e não foi senão
uma – entre o céu e o mar – pessoa.
sábado, 27 de março de 2021
Olaria
Em precisão de metáfora,
visitar uma olaria,
ofício que se debruça
nas concordâncias da argila;
ofício, sim, de destreza,
mas sobretudo de fibra,
de espalmar a massa bruta
como quem a amolaria.
Lubrificar o motor
que a matéria desfibrila
dando sentido ao seu eixo,
dorsal de vento, cacimba;
e como quem se emudeça
no assombro da coisa mínima,
ver a engrenagem da terra
em florescência centrípeta.
Mas no ponto de intumescer-se
afim aos ciclones e aos tigres,
às espirais da natureza
que petrificam a retina,
talhar o bronze latente
das divindades possíveis
com a perícia dos dedos
que a pedra do tempo afia.
Cerce trespassar o nylon
a combustão circunscrita
entre o torno e o corolário
e a novo sono induzi-la;
e porque enfim se preserve
a carnadura do giro,
na noite muda do forno
selar a roda do dia.
E a despeito da incumbência:
vaso, cumbuca ou manilha,
entender que de processo
é que se faz a olaria,
nem tem fim esse mister
que tampouco principia
— e que da morna cerâmica
à massa bruta e sanguínea
a argila é mero pretexto
para outra, oculta oficina.
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021
Augúrio da possível manhã
Uma nova palavra
germina entre os escombros,
e sem que se vislumbre
seu destino de verbo,
um murmúrio montante,
caule tenaz, arguto,
triunfa sobre a estática
daninha do discurso
como uma espera rouca.
Um pássaro de sangue
aurora o céu da boca.
A mudez pavimenta
o solo; todavia,
embrião de ruínas,
é nela que se lavra
a tal palavra-muda,
e é justamente dela
que reclama seu signo
antissonante, alheio
à melífera fanfarra
da língua que se amouca.
Um pássaro de sangue
aurora o céu da boca.
Convém gestá-la, embora
tardia às tantas vozes
há tanto soterradas,
e embora as débeis fibras
que restem, por receio,
custem a articular
seu máximo esplendor,
e embora, muito embora
a noite seja muita
para alvorada pouca.
Um pássaro de sangue
aurora o céu da boca.
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