terça-feira, 7 de abril de 2015

Testamento

(detalhe de "Up in The Studio" - Andrew Wyeth)

Quando eu vier a morrer
(e pode ser qualquer dia),
não quero horror no processo,
quero tampouco alegria;

não quero a vida passando
por meus olhos como um filme;
que ali meu drama se encerre,
e a trama guarde quem viu-me

quando o meu riso era fácil,
quando o meu choro, contente;
fiquem com a parte da história
em que o poeta ainda sente.

Quando eu vier a morrer
(e pode ser amanhã),
quero ouvir o silêncio
sobreposto à prece vã;

e, vindo a dor, que eu padeça,
não chore a perda, no entanto:
se a vida não vale a pena,
a morte não vale o pranto.

Quando eu vier a morrer
(pode ser hoje, quem sabe),
que o mundo aprenda comigo
e se conforme, e se acabe;

que eu sinta o sopro da noite,
que eu sinta a brisa da aurora
uma vez mais, com desdém,
para - impassivo - ir embora.

Querem saber? Morro agora
e disso não me arrependo;
se perguntarem por mim,
digam que morri vivendo.



04 / 2015