quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Hai, mas não cai


rio de meus problemas
frágeis pedras no implacável
rio de meus poemas.



01 / 2015

domingo, 25 de janeiro de 2015

Três verbetes rejeitados

1. Humanidade:
enorme espelho estilhaçado
cuja natureza primária é distorcer o objeto real
seja lá qual for; ou

dicionário de uma só palavra
e incontáveis (in)definições.

2. Poeta:
estilhaço menor
manchado de terra
e cansado de refletir senão a terra; ou

interjeição profana
banida pelos bons costumes.

3. Poesia:
música gerada no baque de uma pedra
sobre o espelho sujo de mundanices; ou

gemido que se produz no momento
entre a pergunta
e a ausência de resposta.



01 / 2015

sábado, 17 de janeiro de 2015

Autonegação


Eu canto o Amor, embora não me iluda
nisso de amar o quanto me cative:
se a lira é doce ou por demais felpuda,
em direção contrária o peito rema.

Mentindo é que o poeta sobrevive.
[o que talvez inclua este poema]



01 / 2015

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Era um poema de amor
desses que surgem do acaso,
como batom no concreto.

Como se deu esse beijo,
por que se deu logo ali?
Eu lhe pergunto, e silêncio.

Talvez nem ele saiba
[só resta a marca do beijo,
a marca: nem falo ou vulva,
nem lábios importam mais]

e tão somente espere
o decair do futuro,
para esquecer o poema,
para esquecer que foi muro.



01/2015

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Sonho

("The Prisoner" - Nikolai Yaroshenko)


Olho-te o corpo nu como um tesouro aberto,
E olhas por mim, como um Satã sereno —
Acordo! Esvai-se o sonho, e encontro-me desperto
Buscando o teu veneno...

As mãos procuram tudo à escuridão da noite
E nada encontram, salvo a própria sombra.
Tão logo vais embora, açoite após açoite,
O mundo se me escombra...

O peito, em choque, abraça a solidão do quarto.
A madrugada em derredor se aviva
E rompe os meus vitrais como um terrível parto
E escorre igual saliva...

E lembro-me de ti, do sonho inalcançado
Que contemplei como o poeta à lua:
O olhar lascivo, o sangue em gozo embalsamado,
A carne exposta e crua...

Decido pôr em verso o teu retrato ausente:
Mordaz, a pena as emoções me arranca
E esboça um vil sorriso, escrito amargamente
Na folha escura e branca.

Busco uma vela; acendo-a. A luz, covarde e fria,
Em nada se compara à flama que és.
Apago-a de uma vez: bem mais me aqueceria
Prostrasse-me aos teus pés...

Escuto a negritude a me cantar, calada,
Tua lembrança em melodias quérulas;
Decido, então, caçar essa ilusão finada
Como quem caça pérolas...

Retomo da ilusão reminiscência pouca:
Nem teu perfume eu pude mais sentir;
Sequer minh'alma à tua, a minha à tua boca
Eu pude mais unir...

Tão só, na infinda noite, o peito se consome,
E range o crânio dentro da cabeça;
Me atiro à treva, e, louco, a murmurar teu nome,
Imploro que amanheça!...

E, quando, finalmente, ao sono me condeno
E toda a angústia julgo enclausurada, enfim,
Vejo-te nua, aos céus, como um Satã sereno,
Pousando o olhar em mim...



01 / 2015