sábado, 27 de agosto de 2016

Uma paráfrase de uma paráfrase de Ronsard.


Originalmente publicado aqui


O poema em questão, de autoria de William Butler Yeats (1865-1939), é uma paráfrase de um soneto de Pierre de Ronsard (1524-1585), e trata de uma questão muito recorrente na poesia amorosa: a perda da beleza e do amor pelo envelhecimento. Não me alongarei muito em torno da temática porque, no link acima, o leitor encontrará uma boa análise e possivelmente todas as traduções ao português tanto do poema de Yeats quanto do soneto de Ronsard.
Chamo esta minha versão de paráfrase porque reinventei muito do poema original, embora mantendo um esquema métrico e rímico semelhante ao de Yeats, com a diferença de que em certos momentos recorri a rimas toantes e ele não. Modifiquei certas coisas, sobretudo a sintaxe, para adequar o poema a nosso vocabulário de modo que deixasse transparecer nos decassílabos pelo menos um pouco da sensibilidade existente nos pentâmetros. A começar pelo primeiro verso,

When you are old and grey and full of sleep,

o qual me dei certa liberdade ao traduzir. Como sei que, se postos lado a lado o original e a minha versão, certamente surgiria alguma desconfiança quanto à fidelidade das minhas escolhas, deixo aqui uma breve justificativa que pode ser tomada como a poética dessa transcriação. 

Meu objetivo era resgatar a sutileza do poema (o que é, entendamos, muito diferente de incorporar a senhora aposentada dos vergéis) sem me afastar ritmicamente do mesmo. A meu ver, nesse caso em específico, manter a enumeração "old" - "grey" - "full of sleep" em português poria em risco a leveza do verso, tão fluido por conta dos monossílabos com que a língua inglesa pode contar. "Quando velha e grisalha e sonolenta" seria uma tradução literal em verso decassílabo, mas vamos combinar: é um verso áspero e martelado que, se transmite o mesmo sentido que o original com o mesmo número de sílabas métricas, de quebra recuperando a enumeração existente em inglês, perde no mais em transportar a sensibilidade que julgo tão importante preservar. Por isso, estive disposto a sacrificar algumas construções originais e recriar a ideia dos versos em nova sintaxe, para que se encaixe mais naturalmente ao gosto brasileiro. Claro que digo isso com base em minha interpretação desse poema. Claro que nada impede que seja escrita uma tradução em português partindo desse verso contemplando outras interpretações válidas. Who knows: se tem uma coisa possível no mundo da literatura, essa coisa é tudo. 


***

When you are old and grey and full of sleep,
And nodding by the fire, take down this book,
And slowly read, and dream of the soft look
Your eyes had once, and of their shadows deep;

How many loved your moments of glad grace,
And loved your beauty with love false or true,
But one man loved the pilgrim soul in you,
And loved the sorrows of your changing face;

And bending down beside the glowing bars,
Murmur, a little sadly, how Love fled
And paced upon the mountains overhead
And hid his face amid a crowd of stars.


*

Quando pesar-te o cinza dos cabelos,
Jazendo ao pé do fogo, lentamente
Abre este livro, e encontra o brilho ausente
Dos olhos teus, e as sombras a envolvê-los;

Quantos, de amor falso ou sincero, amaram
O encanto e a graça do alto de teus dias...
Mas um amou-te a alma fugidia,
Teu triste rosto e as linhas que o marcaram;

E, inclinando-te junto das centelhas,
Murmura tristemente o Amor perdido
No cimo de algum monte, ora escondido
Entre a montanha e a multidão de estrelas.


08 / 2016